Eu não sou atleta profissional - nem amadora - apenas treino jiu-jitsu. Há 4
anos descobri essa modalidade, gostei do que ela me proporcionou e persisto até
hoje. Procuro treinar duas vezes por semana por questão de tempo disponível. Sou adulta, trabalho, estudo,
cuido da casa, tenho meus amigos e relações para cultivar, tenho minha
espiritualidade e não é minha prioridade despender mais tempo
da minha vida com os treinos dessa modalidade. O que muita gente não sabe
é que só por praticar esse esporte minha vida é afetada nos
mais diversos aspectos. E, dessa forma, me torno um pouco intolerante quando fazem
brincadeiras "inocentes" sobre essa dimensão tão importante da minha vida. Essa
semana resolveram "zoar" a minha graduação no "jiu". O
sentimento foi: "é, realmente, para estar fazendo esse tipo de piada, você não
faz a mínima ideia do que eu passo para estar no tatame".
Treinar
jiu-jitsu por si só já é sério. O fato é que não tem como treinar jiu
descompromissadamente, porque mesmo treinando descompromissadamente você sofre
as consequências de treinar sério. Eu acredito que me encaixo nesse perfil:
treino pelo "life style", não tenho pretensão de competir no
jiu-jitsu, nem de virar lutadora de MMA posteriormente ou algo assim. Eu treino
porque gosto da sensação, do cansaço pós-treino, da sensação de que consegui me
livrar de alguém que queria me “finalizar”, de ativar meu extinto de
sobrevivência e até mesmo de tirar onda com um parceiro de treino que eu tenha
mais intimidade. É algo leve, que me faz rir, extravasar, me traz paz, é
relaxante e descontraído. Ao treinar jiu-jitsu se constrói a relação com uma
família, cria-se um espaço para deixar todas as suas angústias, pode-se
estabelecer seu próprio tratamento para ansiedade, rompe-se com o sedentarismo
e cria-se resistência física. E, para tudo isso, paga-se um preço.
Treinar
jiu-jitsu - especificamente para mulher - é abrir mão de ter unhas compridas, por questão de segurança; é não ligar tanto assim para o aspecto do cabelo que
fica meio detonado mesmo; é não ligar para os hematomas roxos pelo corpo todo e
conseguir viver tranquila com essa exposição quando se usa shorts, saia,
vestido, regata, ou qualquer vestuário que mostre alguma parte do corpo. Treinar jiu-jitsu é se
acostumar com a dor; é correr o risco de ficar com a orelha "couve-flor"
por mais que você faça o máximo para evitar isso; é ter dor nas mãos e dedos
diariamente devido as "pegadas"; é sempre ter uma dorzinha no
pescoço, no joelho, na virilha. Treinar jiu-jitsu é abrir
mão de relacionamentos com homens que não conseguem tolerar que você está em um
tatame ou que não conseguem entender o seu "charme" diante do
exposto anteriormente. É ter que escutar que você fica "se agarrando com um monte
de homem", que quem luta é "machorra" ou ainda "piriguete". Treinar
jiu-jitsu é superação em flexibilidade, coordenação, força e acerto de posição:
é evolução. E é lidar com isso emocionalmente entendendo que alguns evoluem mais rápido – dom, talento, aspecto cerebral,
quantidade de treino – e que para outros a evolução é mais lenta e gradativa, mas pode ter
certeza que em todos os casos sempre será valoroso perceber que algo antes impensável tornou-se possível. Treinar jiu-jitsu é busca de igualdade de gênero, aprender a respeitar o adversário
independentemente do tamanho e prezar pela saúde e integridade de ambos. É aprender
que tão fundamental quanto amassar é manter a calma quando se está sendo amassado.
Eu escolhi o jiu-jitsu para fazer parte da minha vida e espero realmente que você possa
respeitar
isso. É importante para mim. O respeito por tudo que eu passo para estar no tatame é
algo pelo qual não abro mão. Espero que me expor desse jeito possa fazer mais
gente entender e respeitar o que passamos para estar lá.